quinta-feira, 28 de junho de 2012

Prazo de validade

Cá em casa estou numa maré de tudo aparecer estragado... ou é a torneira do lavatório da casa-de-banho, ou é o autoclismo que corre água, ou o esquentador que pinga, ou a máquina de lavar roupa que não centrifuga... ou sei lá o quê! Falo com os entendidos sobre o assunto e estes perguntam-me, por exemplo: "Quanto tempo tem a máquina de lavar roupa?" Eu respondo: "Uns 10 anos", resposta do outro lado: "Ah pois, está na altura de se estragar!" "Altura de se estragar?!?!?!", penso eu. "Altura de se estragar, o tanas! Ora agora há prazo de validade para as coisas?!" Pois, a resposta é: "SIM!" O mundo está totalmente organizado para haver prazos, para haver validades, para ter de haver términos e substituições, porque delas, surgem o consumo!

Tudo hoje em dia tem prazo de validade: os ovos têm carimbo; as embalagens de arroz, feijão, grão, milho, por muito secas que sejam, têm validade; os iogurtes, o leite, as natas... tudo tem validade! Que raio já não há nada como antigamente?!!?! Quando nós olhava-mo-nos, cheirava-mos, provava-mos e decidia-mo-nos se sim ou não?! Ainda me lembro do tempo em que a minha avó comprava 1 alqueire de arroz ou grão e o alqueire não tinha carimbo de validade. Ou os ovos que eram colocados no copo com água a ver se vinha ao de cima (sinal de estar estragado) ou ficar em baixo (sinal de estar de boa saúde). E o pão que tem validade?!?! Será que é antes ou depois de se poder fazer torradas ou pão ralado? Será que ao fazer torradas fora do carimbo já não se pode consumir? E se eu fizer pão ralado e depois congelar, não o posso usar porque a validade já era?

Hoje em dia até a roupa e o calçado tem validade... e é bom que tenha, porque nós não queremos andar com uns sapatos que foram a moda do ano passado... por isso, o ideal é que se estraguem mesmo e estraguem mesmo a valer, porque ir ao sapateiro não compensa... é muito mais fácil, rápido e barato irmos comprar uns sapatinhos ao chinês que duram 1 mês e que é mesmo o tempo perfeito até nos enjoarmos deles e vermos a moda seguinte ao nível do calçado. E a roupa? A roupa é igual.. Ninguém hoje em dia se contenta com um "simples vestido preto", porque apesar de nunca nos comprometermos (o que combina com a era em que vivemos), esse vestido calha bem em muitas ocasiões, o que faz com que sejamos vistos sempre com a mesma toilette, o que é sinal de "pobreza"... mesmo que seja um Chanel. Sim, porque mulher que se preze não usa a mesma roupa em dois eventos públicos, como nos ensinam as vedetas de "la television". Bons hábitos, claro!

E depois temos também o prazo de validade de nós mesmos... da nossa idade! E por isso, toca a tomar comprimidos, por cremes e fazer operações para ficarmos sem rugas, "firmes e hirtas", a aparentar 20 anos quando temos quase 40, mesmo que teimemos em usar Hello Kitty na carteira e nas sandálias com um logotipo de marca internacional... porque, dizem "usa-se e é moda". 

Ter prazo de validade de nós mesmos é mesmo "intrigante" e não tem só a ver com o combate às rugas e às modas despropositadas (ou propositadas no consumo desenfreado), tem também a ver, com o facto de que todos sabemos, que chegando aos 65 anos estamos na reforma e por isso, apesar de estarmos muito preenchidos diariamente, com voluntariados mil e com o chazinho diário com as amigas, sabemos que estamos na fase da pré-morte... mesmo que ela demore 30 anos ou 50... o que interessa é que nessa fase já fizemos tudo e o nosso prazo de validade está a findar.

Prazos de validade... Quem os dita? Quem acredita neles? Quem se rege? Quem se limita? Quem se sujeita ao que é suposto fazer, acontecer ou ser?


Há idade para estar fora da validade? http://www.youtube.com/watch?v=gZDJmFojzAM&feature=related

4 comentários:

  1. Costuma-se dizer que um mal nunca vem só.
    Felizmente, costumo reparar a maior parte das coisas cá em casa, excepto o esquentador e coisas que implicam maior responsabilidade e segurança.
    Quanto ao calçado, aqui vale a pena ir ao sapateiro, conheço um barato e eficiente. Tenho umas sandálias de couro, há muitos anos, porque tiveram sempre manutenção.
    Quanto à validade das pessoas... será que o Manuel de Oliveira tem validade? Há quem goste de aniversários, mas eu penso que estes funcionam como crenças limitadoras, como caruncho que corrói. O melhor é vivermos sem relógios e em vez de comemorarmos aniversários, comemorar a vida, a eternidade e a amizade.
    Há quem jure de pés juntos, que nós somos aquilo em que acreditamos ser.

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    1. Gostei muito dessa parte... "Há quem jure a pés juntos, que nós somos aquilo que acreditamos ser..." Eu belivo que sim! ;)

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  2. Gostei muito deste post. A sociedade de consumo coloca uma validade aos produtos e coloca-nos umas validade a nós. Quer-nos fazer crer que há idades para tudo e que se já não temos essa idade mais vale desistir do sonho. É complicado. Por essas e por outras vejo vezes sem fim o vídeo da Susan Boyle no X-Factor. É uma das personificações de que o sonho não pode morrer.

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    1. ... os sonhos só terminam ou deixam de ter validade se nós, enquanto seres adultos e humanos, deixarmos! :)

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